Paulo Maio
A
economia de Timor Leste tem por base a componente rural e o sector
florestal é reconhecido como um dos principais vectores para o seu
desenvolvimento. Qual o papel que a Cooperação Agrícola Portuguesa pode
desempenhar neste processo?
Ali também Timor que o lenho manda
Sândalo salutífero e cheiroso
Sândalo salutífero e cheiroso
Camões
1. A FLORESTA EM TIMOR
Timor Leste é o país mais novo do mundo
(2002) e um dos mais pobres, com a base da sua economia assente na
componente rural (74%) (Atlas de Timor 2002), embora possua jazigas,
tanto de petróleo como de gás natural, em número suficiente para tirar
partido económico desses recursos, caso o permitam. Dentro do sector
primário, a componente florestal é por demais reconhecida como um dos
principais vectores para o desenvolvimento económico de Timor, embora a
sua importância não se esgote ai, já que as suas funções ambientais,
paisagísticas e protectora, nomeadamente das bacias hidrográficas, são
de vital importância para Timor.
Desde tempos antigos, que Timor foi um país
de imensos recursos florestais, nomeadamente dessa espécie conhecida
como “petróleo verde” e que dá pelo o nome de sândalo (Santalum álbum).
Relatos históricos, referem que a ilha foi descoberta pelos chineses no
séc XIII e pelos portugueses em 1514, devido ao odor e perfume do
sândalo. Outrora, a ilha do Crocodilo era constituída por uma imensa
massa florestal onde na sua base estava o sândalo e que cobria quase
toda a ilha. Numa carta de Rui de Brito para El Rei D.Manuel I, em
6/1/1514, refere “..he hua ylha alem de Java tem muytos sandallos..”.
Mas, após a chegada destes e vendo ali uma riqueza natural quase
inesgotável, começou a delapidação desse património florestal,
particularmente nos séculos XVII e XIX, com a decadência económica de
Timor que levou ao corte desordenado, provocado pelo comércio anárquico
com Macau, China e Índia, chegando ainda no tempo dos portugueses (1925)
a ser proibido o seu corte (Cinatti,1950). Com a invasão da Indónesia
em 1975, o corte desta espécie foi quase total, estando hoje a
ocorrência de sândalo reduzida aos distritos de Covalima, Lautém,
Oecussi e Bobonaro. Devido à sua importância, esta espécie mereceu o
primeiro inventário florestal (no distrito de Covalima e Bobonaro (ainda
em curso)) por parte do Governo Timorense e os resultados são o que já
se suspeitava: na sua generalidade as árvores tem diâmetros inferiores a
5 cm e que a percentagem de árvores com qualidade económica (>30cm)
era inferior a 1%. (MAFF, 2004). No Distrito de Bobonaro, verificou-se
um aspecto curioso, já que foi neste distrito que foram encontradas as
melhores árvores, tendo sido primordial para a sua existência o facto de
a Ai Kameli (sândalo) ser árvore lulik (sagrada) e ser portanto,
proibido o seu abate (conversa pessoal com o Director das Florestas
Timorense Mário Nunes, 2004).
A área florestal em Timor é estimada em
1.113.275 ha, representando 58% do território do país (MAFF,2004). A
parte norte, mais seca, com pluviosidades de 500-1000mm, é composta por
Ai mutin (Eucalitpus alba, Eucalipto branco) e sukaer (Tamarindus indicus, Tamarindo). A parte Este e Sul, com precipitações a rondar os 1500-2000mm, composta por Ai Kiar (Canarium reidentalia), Ai Na (Ptedocarpus indicus, Pau-rosa), Ai Saria (Toona sureni, "Red Cedar") e Ai Teka (Tectonia grandis, Teca). Nas partes montanhosas, onde as precipitações chegam a atingir os 3000mm é dominada pelo Ai Bubor (Eucaliptus urophyla, Eucalipto peto). Das espécies consideradas, com maior valor económico - Sândalo, Teca, Pau-rosa e Toona sureni
- a Teca é a que apresenta mais significativas áreas (3500-4500ha), na
sua maioria do tempo português. As restantes existem em pequenos
bosquetes ou isoladas, também fruto da voracidade antropogénica,
principalmente no tempo da ocupação. Hoje em dia, nas encostas predomina
o eucalipto (branco e negro), sendo a sua utilização, maioritariamente,
para lenha.
Figura 1 - Floresta Tropical em Lore (Lautem)
Figura 2 - Albizias a encobrir futuros cafezais (PADRTL, Ermera)
2. PROBLEMAS QUE AFECTAM A FLORESTA
O estado em que se encontra hoje a floresta
de Timor é grave. As razões não são nenhuma novidade, mas devido à
complexidade dos problemas e à sua interligação as respostas e acções
tardam a surgir.
Segundo o relatório “Forestry Management
Policies and Strategies of Timor Leste”, Timor tem uma média anual de
1,1% de massa florestal perdida, quatro vezes maior do que a média
global. Estes dados referem-se ao período entre 1972-1999, onde se
perdeu 114000ha de floresta densa e 78000ha de floresta média, mas quem
esteve em Timor após o referendo e a Independência (2002) sabe que estes
números não desceram. Com esta devastação, também foram libertados da
floresta e do solo 2,380.4 Gg de carbono. A desflorestação em Timor,
associado a um regime de chuvas torrenciais e a uma topografia onde 41%
da área total do pais tem declives superiores a 40% (Mota, 2002), bem
como uma história geológica recente, causa gravíssimos problemas de
erosão e perca de solos. Segundo Mota (2002), estima-se já que a perca
de solo se cifra nas “26 toneladas por hectare e por ano (a média
mundial é de cerca de 10 ton./ha/ano) que, a manter-se, conduzirá à
ruptura do abastecimento de água, à baixa da sua qualidade e ao
agravamento da sedimentação terrestre e marinha cuja dimensão dos
prejuízos é difícil de quantificar em termos financeiros”. As causas
desta enorme perca são a agricultura itinerante, as queimadas nas
encostas na época seca, o consumo de madeira para o carvão doméstico, a
construção de casas de habitação e, por fim, o corte ilegal de árvores,
nomeadamente de sândalo, no distrito de Covalima a preços irrisórios
(1kg a 5 USD), para Timor Oeste fruto de uma pobreza extrema.
O futuro não é risonho, já que o crescimento
demográfico existente em Timor, particularmente após o referendo, com
as famílias a possuírem em média 6 filhos, ou “os que Deus quiser”,
aliado a um elevado grau de pobreza, nomeadamente nas terras altas de
montanha, só levarão a uma pressão maior sobre as riquezas florestais,
em busca de lenha e para construção de casas. Este fenómeno far-se-á
sentir com mais intensidade junto dos aglomerados populacionais, locais
para onde as populações se deslocam, em busca de mais e melhores
oportunidades. Hoje em dia esse efeito já é por demais evidente em torno
da capital, Dili.
Para resolver esta situação, Timor vai
precisar da ajuda externa não só financeira como de formação técnica dos
seus quadros, já que o insuficiente número (1 pessoa para 61,848 ha) e
capacidade técnica dos seus recursos humanos são extremamente reduzidos.
Aliados a estes factores, está uma Lei da Terra, que ainda não resolveu
os limites das terras e quais os donos de muitas áreas, e uma
inexistência gritante de dados, como tabelas de produção, entre outros
para criarem planos de gestão, conservação e protecção dos seus recursos
naturais, de preferência assentes numa plataforma sustentável.
Figura 3 - Erosão gravíssima na zona de Letefoho, Ermera
Figura 4 - Desflorestação junto ao Ramelau.
3- ACÇÃO DO PADRTL EM TIMOR
O Programa de Apoio ao Desenvolvimento Rural
em Timor Leste, existente desde Novembro de 2000, começou por
intermédio do seu ex-Coordenador, Engº Nuno Moreira, a prestar mais
atenção à floresta, nomeadamente aos sistemas agroflorestais de fins
múltiplos, e a importância que estes têm na vertente ambiental, como
regulador dos solos e das bacias hidrográficas, bem como paisagístico e
económico, como elemento fundamental para a melhoria da rentabilidade
das populações locais, inserindo-se ainda, num quadro mais alargado de
desenvolvimento rural sustentável.
Assim, as duas Quintas existentes, em Aileu e
Gleno, funcionam como pólos de formação e de produção de espécies
florestais de elevado valor comercial, onde no topo das prioridades está
sempre o sândalo, acompanhados pela Teca, Pau Rosa, Toona sureni e mogno, entre outras. Juntamente com estas, estão as espécies de elevado valor forrageiro, como o Ai Turi (Sesbania grandiflora), Caliandra (Caliandra calothyrsus), Ai Kafe (Leucaena leucocephala),
que para além de fornecerem comida aos animais são espécies fixadoras
de azoto e formam o mosaico agroflorestal, onde ainda se inserem as
espécies fruteiras. Toda esta produção em série acaba nas populações
onde se faz a distribuição das plantas, sem antes ter havido um programa
de formação àquelas, como e onde plantar as árvores. Este programa é
realizado pelas pessoas, timorenses, que trabalham nas Quintas que dão
às populações toda a formação necessária. Pode-se afirmar sem pejo
nenhum, que o PADRTL era o maior distribuidor de plantas em Timor,
atingindo em 2003 a produção de 500000 plantas, nas quais 50000 eram
sândalos. Aliás, pela extrema importância desta espécie, esta semente
era adquirida a preços mais elevados pelo PADRTL, dependendo no entanto
da sua qualidade. (5-10 USD/Kg.) O objectivo era não só preservar o
reduzido material genético existente em Timor, bem como de tentar evitar
o corte das árvores, e consequentemente o seu contrabando,
proporcionando um meio de subsistência anual às populações.
Figura 5 - Sistema agroflorestal, com o sândalo em destaque
Figura 6 - Viveiros de plantas com o sândalo em primeiro plano
Figura 7 - Formação para a UNOPS para futuros técnicos do distrito Ainaro, Quinta Portugal
As acções de formação que eram dadas,
abrangiam muitos aspectos do ciclo florestal, desde a importância da
colheita de semente, construção de viveiros, até à importância e
execução das técnicas de preparação de terreno e de plantação, onde o
uso do mulch (ramos de árvores, principalmente de forrageiras,
colocadas nas caldeiras das árvores) como agente natural de protecção
das culturas era referido em destaque.
Pequenos trabalhos de protecção de margens
eram executados antes das épocas das chuvas, particularmente na Quinta
Portugal, como função de monitorização e protecção das margens da
ribeira que passava pela Quinta.
Por fim, algum trabalho cientifico, embora
não fosse essa o principal objectivo era realizado, onde o “Estudo e
Avaliação das Potencialidades da Teca em Timor Leste” teve o maior
destaque. Este trabalho foi e está a ser executado por uma das
entidades, Centro de Estudos Florestais, do ISA, na qual o PADRTL tem
parcerias.
Referências
Cinatti, R. (1950). Reconhecimento em Timor. Relatório Final do Curso de Engº Agrónomo, Parte 1, ISA, Lisboa.
Department of Forestry and Water Resources (2004). Forestry Management Policies and Strategies of Timor Leste. Ministry of Agriculture Forstry and Fisheries (MAFF).
Faculdade de Arquitectura de Lisboa e G.E.R.T.I.L (2002). Atlas de Timor Leste. LIDEL, Lisboa,
0 komentar:
Speak up your mind
Tell us what you're thinking... !